Requerente: Comissão - PAD/2023Requerido: Elielton da Conceição SantoProcesso Administrativo: 013/2023
I – RELATÓRIO
Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar, em desfavor de Elielton da Conceição Santo, objetivando apurar suposto abandono de cargo público
Compulsando os autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 013/2023, verifica-se, de início, que fora regularmente instruído nos moldes das Leis 107/90, 8.112/90 e 9.784/99, com fundamento na Portaria 071/2022, assim como no Decreto nº 10/2021.
Além disso, como consta às fls. 39/42, o Requerido foi regularmente citado para apresentar sua defesa, sendo-lhe garantido, portanto, seu inafastável direito fundamental à ampla defesa e ao contraditório.
Após a citação, o Requerido se manifestou nos autos requerendo a prorrogação do prazo para apresentar defesa, com fulcro no art. 161, parágrafo 3º da Lei nº 8.112/90, conforme se verifica da fls. 48.
A comissão julgadora acatou o pedido de prolação do prazo para apresentação de defesa. Fls. 49.
O então Requerido apresentou defesa escrita, alegando falta de requisito subjetivo para uma possível aplicação de sanção de demissão e apresentou razões pelos quais teriam se dado o seu afastamento.
A Comissão Processante, em seu Relatório Final às fls. 56/60, recomenda que o Requerente seja imediatamente reintegrado ao cargo público.
Cita ainda o referido relatório que de acordo com os resumos financeiros fornecidos pelo setor responsável, constatou-se que foi liberado dois meses de pagamento, no valor de R$ 1.518,00 cada mês, enquanto o mesmo gozava de licença sem remuneração, tendo a soma total de R$ 3.036,00. Portanto, recomenda também que, caso comprovado que o requerido retirou tais proventos, o mesmo seja restituído ao erário público, uma vez que o mesmo já encontrava-se no gozo de licença sem remuneração.
O parecer jurídico juntado aos autos, opina pela imediata reintegração do Requerido, uma vez que não restou caracterizado o requisito subjetivo necessário à aplicação da pena de demissão nos casos de abandono de cargo público, assim como a restituição aos cofres públicos dos valores recebidos de forma indevida.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Considerando a atual ordem jurídica, na esteira dos diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, quanto à matéria atinente, teço, aqui, embora breves, algumas considerações.
O legislador constituinte originário, com o fito de trazer estabilidade e resguardar os direitos dos servidores públicos da administração estatal, insculpiu no art. 41 da Constituição Federal de 1988, que os servidores estáveis só poderão perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado; mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa ou mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
Noutra esteira, regularizando o disposto no art. 41 da Carta Magna, a Lei 8.112/1990, prevê a sanção de demissão para condutas como improbidade administrativa, insubordinação grave em serviço e abandono de cargo público.
De antemão, verifica-se, da análise dos diplomas citados, que é possível que um servidor público efetivo perca o cargo que ocupa, mas desde que se enquadre numa daquelas previsões previamente estabelecidas na lei.
Demonstro, à guisa de exemplificação, o disposto no artigo 138 da Lei 8.112/90:
Art. 138.Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.
Pois bem. De se concluir, considerando a clara redação do art. 138 da supracitada lei, que restará configurado o abandono de cargo quando o servidor, sem justo motivo/intencionalmente, deixar de comparecer ao seu local de serviço por período superior a 30 (trinta) dias consecutivos.
Portanto, para que reste configurado o abandono de cargo público, de acordo com a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, são necessários que existam, cumulativamente, dois elementos básicos, que se pode extrair do próprio art. 138 da Lei 8.112/90.
O primeiro elemento, de ordem objetiva, diz respeito ao transcurso do prazo, que se efetiva com ausência do agente público por um lapso temporal superior a 30 dias consecutivos ao local de trabalho.
O segundo elemento, igualmente substancial, porém, de ordem subjetiva, leva em conta a intencionalidade do agente, isto é, a consciência de que está abandonando o cargo público intencionalmente, denominado pela doutrina e jurisprudência de animus abandoandi.
Ora, como restou assentado pelos tribunais superiores, o abandono do cargo público, para que seja caracterizado, exige, impreterivelmente, dois pressupostos elementares: o lapso temporal superior ao tolerado pela lei e o animus do servido de, verdadeiramente, querer desistir do cargo que ocupa – embora não se exija, para tal comprovação, de um requerimento formal do agente público pedindo exoneração à administração pública, por exemplo. Contudo, reclama-se, no caso concreto, um conjunto de elementos e circunstâncias que faça provar seu ânimo de abandonar o serviço público.
Nestes autos, os fatos trazidos à apreciação demonstram que o servidor não tinha a intenção de abandonar o serviço público.
Por conseguinte, seguindo orientação do parecer jurídico acostado aos autos, noto que a movimentação do Requerido, de forma ativa no presente processo diz muito de seu animus quanto ao seu interesse pela continuidade ou não no serviço público, uma vez que o mesmo apresentou solicitação de prorrogação do prazo para defesa, e, por conseguinte, apresentou defesa nos autos.
Por tudo isso, realmente, de se concluir que o Requerido não tinha a intenção de abandonar o Cargo Público anteriormente ocupado.
Em se tratando do animus abandonandi, ou seja, requisito subjetivo necessário à caracterização da conduta tipificada em Lei, qual seja, abandono de cargo público, assim já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, seguindo entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA / APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - ATO IMPUGNADO - DEMISSÃO POR ABANDONO DE CARGO - "ANIMUS ABANDONANDI" - AUSÊNCIA - NULIDADE RECONHECIDA - CONSECTÁRIOS LEGAIS - SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. Para a aplicação da pena de demissão por abandono de cargo é imprescindível que, além dos elementos objetivos, seja demonstrado o animus abandonandi por parte do servidor público. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou a orientação de que "para se concluir pelo abandono de cargo e aplicar a pena de demissão, a Administração Pública deve verificar o animus abandonandi do servidor, elemento indispensável para a caracterização do mencionado ilícito administrativo." 3. Não verificado o animus abandonandi, determina-se o reconhecimento da nulidade do ato administrativo de demissão da parte autora, com a reintegração ao exercício das funções e pagamento da remuneração e vantagens não recebidas. 4. Em conformidade com o decidido pelo Supremo Tribunal Federal ( RE nº 870.947/SE), nas condenações impostas à Fazenda Pública incidem juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (redação da Lei nº 11.960/09) e correção monetária pelo IPCA-E. 5. Recurso provido em parte.
(TJ-MG - AC: 10878180012998002 Camanducaia, Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 05/10/2021, Câmaras Cíveis / 6ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/10/2021).
Desta feita, uma vez não sendo reconhecida pela comissão a presença do referido animus abandonandi, o Servidor dever ser imediatamente reintegrado ao cargo público.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, seguindo orientação da Comissão Julgadora e parecer jurídico acostado aos autos, assim como observando e respeitando o princípio da legalidade, decido pela reintegração imediata do Requerido Elielton da Conceição Santo (matrícula 001620) ao cargo público, uma vez que não restara caracterizado o seu animus abandonandi.
Quanto aos valores citados pela comissão em seu Relatório Final, que os mesmos, caso comprovadamente creditados, sejam devolvidos aos cofres públicos pelo Requerido, através de desconto em folha pelo setor responsável, uma vez por tratar-se de dano ao erário.
Intime-se o Requerido, pessoalmente, do inteiro teor desta decisão, bem como seu defensor, caso constituído nestes autos, para que, no prazo legal, caso queira, apresente recurso, oportunizando vistas e cópias destes autos. Transcorrido o prazo legal para a apresentação de Recurso e cumpridas as movimentações de praxe, arquivem-se os autos.
Publique-se. Intimem-se.
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CHRISTIANNE DE ARAÚJO VARÃO
Prefeita Municipal